domingo, 9 de fevereiro de 2014

Policial Militar expulso por defender desmilitarização desabafa: “Temos a mesma segurança da Ditadura”

Em livro publicado no Ceará, soldado Darlan Abrantes vê polícia “antidemocrática” no País


Thiago de Araújo, do R7
Darlan Abrantes foi expulso após publicar livro contra status da PM Reprodução/Facebook


Depois de 13 anos de serviços prestados à Polícia Militar do Ceará, o soldado Darlan Menezes Abrantes, de 39 anos, foi expulso da corporação no mês passado. O motivo: a publicação do livro “Militarismo: um Sistema Arcaico de Segurança Pública”, de sua autoria, no qual questiona os aspectos ainda presentes nas PMs de todo o Brasil. A demissão, publicada no dia 17 de janeiro, acontece no ano em que o golpe militar completa 50 anos.

A demissão foi o ponto-final em um caso que começou em 17 de julho de 2012, data em que, segundo a Controladoria-Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança e Sistema Penitenciário do Ceará, Abrantes teria distribuído exemplares do seu livro no refeitório da AESP (Academia Estadual de Segurança Pública). Tal fato levou à abertura de uma investigação dois meses depois. O então PM permaneceu em trabalhos administrativos nesse período, até ser expulso.

Em entrevista ao R7, Abrantes negou a versão apontada pela controladoria, dizendo que distribuiu exemplares sim, mas do lado de fora da academia. Para ele, um formado em filosofia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará), a estrutura atual ainda remete ao período da Ditadura Militar, que durou entre 1964 e 1985 no País.

— Infelizmente, a Constituição brasileira parece ter esquecido essa parte: ela continua com a mesma segurança da Ditadura. Esta acabou, mas a nossa segurança é a mesma (...). O militarismo é exatamente como uma frase do Rui Barbosa, que coloquei no livro, e que diz o seguinte: “O militarismo é para o Exército como o fanatismo é para a religião”. Ou seja, o militarismo é uma espécie de filosofia que deixa a pessoa fanática, deixa a pessoa louca.

A vocação por ser policial fez Abrantes entrar para a PM pela primeira vez em 1995. Logo no começo de carreira, segundo ele, muitos policiais mais antigos já falavam sobre o quanto “arcaica” era a estrutura da PM. Isso o fez sair pouco tempo depois, mas a necessidade financeira o fez voltar, após obter a sua formação em filosofia. Mesmo o retorno não fez os seus questionamentos diminuírem, o que motivou a publicação do livro em 2012, com cerca de 60 entrevistas com policiais militares.

— Um professor meu mesmo, holandês e da UECE, me perguntava se eu era do Exército, e eu dizia que não, que era da polícia. Então ele perguntava se a polícia daqui tinha militarismo, porque não existe isso na Europa. Militarismo é para as Forças Armadas, é a quem ele serve. Polícia vem da palavra grega “polis”, que significa “cidade”. Ou seja, o policial para fazer a segurança do cidadão, não reprimir o cidadão como a Polícia Militar faz. Então, essas ideias foram se acumulando, tive essa ideia [do livro], publiquei e deu no que deu.
 
“Fui expulso no grito”


No livro publicado, Darlan Abrantes divide a Polícia Militar do Ceará em duas classes: a dos “senhores feudais”, como ele se refere aos oficiais, e os “escravos”, como são identificados os praças e soldados. A razão de tais atribuições seria o excesso de benefícios aos oficiais e a falta de direitos aos soldados da corporação. Ele cita uma situação pessoal para ilustrar o problema.

— No meu treinamento, sabe o que um oficial fez comigo? Pegou uma folha em branco e disse “Darlan, aqui estão todos os seus direitos”, em uma folha sulfite em branco, e jogou na minha cara. Para você ver.

Coloquei no livro que “a escravidão ainda existe no Brasil e mora na PM”. Do subtenente para baixo, o soldado não tem direito a nada. Oficial manda e desmanda, é escravidão mesmo.

Ele completa:
— Tem uma frase de um colega meu que achei muito interessante: “Sou policial por vocação e militar por obrigação”. Ou seja, eles têm vocação para serem policiais, mas o militarismo é um sistema que... teve um argentino que veio aqui e até disse que sabia que não seria mais convidado a vir para cá, mas ele disse que o militarismo na polícia trava o policial. É tanta ordem, tanta picuinha, você vai trabalhar e fica pensando no boné limpo, na bota. Tive um colega meu que foi preso porque o boné estava sujo, 24 horas nas ruas pensando nisso. São coisinhas idiotas.

Questionado pela reportagem sobre o status “repressor” e “violento” que a PM possui, sobretudo nas periferias e comunidades carentes de todo o País, o policial vê essa constatação como justificável. Ele coloca o próprio caso como um exemplo de “falta de liberdade de expressão” e uma postura “antidemocrática” por parte da atual estrutura militar. Tal fator contribuiu para a formação incompleta de muitos soldados, na opinião dele.

Livro gerou polêmica na PM do Ceará Reprodução/Facebook
— A minha colocação é que eu sou a prova que a Polícia Militar não respeita liberdade de expressão. Eu sou a prova disso. Ela não respeita a democracia. O grande questionamento é que como uma polícia antidemocrática pode fazer a segurança de uma sociedade democrática? A questão do livro é essa, ao longo de todo ele. É o que você vê nas ruas, uma polícia antidemocrática que não sabe agir com uma população democrática. Por isso que você vê tanto escândalo nas manifestações, tanto policial batendo em manifestante, jornalista. Essa polícia não dá mais. É uma polícia que parece que solta pit bulls nas ruas, para querer pegar os cidadãos.
Embora demitido, Abrantes ainda está recorrendo da decisão, na tentativa de retomar o seu posto dentro da Polícia Militar cearense. Apesar das críticas feitas por ele em seu livro, ele diz que dois motivos o fazem ainda querer voltar ao antigo emprego: a questão financeira e a vocação, a qual, segundo ele, vai além do militarismo. Nem que seja para seguir em trabalhos administrativos, como vinha fazendo, estando longe do que gosta, que é estar nas ruas.
— É como te falei, é vocação de policial, mas não pelo militarismo. E também continuar esclarecendo policiais diretamente. Muitos, por conta do militarismo que faz uma lavagem cerebral, têm que explicar devagarinho para eles entenderem, a se libertarem, digamos assim (...). Encontrei um militar na rua, pessoal de moto chegou, perguntando como eu estava, e falei que estava tudo bem. Eles me incentivaram a seguir na Justiça, continuar na luta (...). Bem, se não puder voltar, provavelmente, quando sair esse resultado, acho que vou dar aula.
“Legalista”, PM diz que soldado cometeu crimes militares
Representando a Polícia Militar do Ceará, o relações-públicas da corporação, tenente-coronel Fernando Albano, disse ao R7 que a expulsão do soldado Darlan Abrantes apenas seguiu de acordo com o que está previsto nos códigos militares. Segundo ele, a controladoria é um órgão independente e que, ao final das investigações, nas quais foi fornecido “amplo direito de defesa” ao PM, foi apenas cumprida a decisão de expulsão, baseada nas provas do processo militar.
— Se você cometeu algum ato que foi em desacordo com o decoro da sua classe, obviamente você tem que ser punido. Ele [Abrantes], no bojo do processo, foi circunstanciado [por envolvimento em] tudo isso. Nada foi feito de forma intempestiva, açodada ou ilegal. Pelo menos foi o que a trinca processante ao final opinou e, assim, respaldou a sua decisão de forma legal, dentro dos valores da PM, dentro do que está estabelecido no nosso Código Disciplinar e no Código Penal Militar.
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Embora Abrantes alegue não ter distribuído livros dentro da unidade e que não existam provas de qualquer irregularidade em sua conduta, Albano discorda e garante que a decisão de expulsão apenas atendeu a uma orientação do órgão que apurou o caso.
— Ele distribuiu [os livros] dentro da Academia Estadual de Segurança Pública, sem autorização do comandante da unidade. Ele tem obrigação de pedir a autorização, além de, no livro, ele ter tecido várias críticas. Ele foi deselegante e cometeu o crime de publicar ofensas, o que configura em crime militar. Ele ofendeu superiores da PM através do livro.
O relações-públicas da PM procurou não comentar as acusações do soldado, como a de que a corporação seria “antidemocrática”. Ele comentou ainda que o caso continue sendo discutido e que, caso Abrantes reverta a situação na Justiça, a polícia irá reintegrá-lo.
— Ele foi um soldado. Querendo voltar... como falei, somos uma instituição legalista. Se ele conseguir junto à Justiça a sua reintegração à Polícia Militar, só nos caberá cumprir. Ele será reintegrado. Mas isso será decidido em nível de Justiça, terá uma série de questionamentos e posições.

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